3/10/2007

Ouvido de tuberculoso - I


Costuma se achar o novo Mozart, alardeava aos quatro cantos seu ouvido "mais que absoluto". Não era lenda, era sim capaz de sentir as vibrações sonoras de uma agulha se perdendo no palheiro.
Muitos o consideravam mesmo como uma espécie de mago, imagem que gostava de alimentar perante seus admiradores.Nunca admitia gritos de nenhuma visita, aquilo feria seus tímpanos, que chegavam até a sangrar algumas vezes. Falava baixo, tão baixo que seus interlocutores precisavam se aproximar para escutar suas queixas sobre o mundo e seus problemas crônicos. Durante a vida, as coisas foram falhando, mas a audição nunca. Perfeita, como um equipamento de recepção de som de última geração. Olho deu catarata, próstata deu câncer, coluna deu bico de papagaio, figado deu cirrose. Pensava que só mesmo a providência divina para explicar aquilo. Que na verdade, não era apenas "aquilo", porque acoplada ao ouvido absoluto vinha a memória que o permitia executar mais de 800 músicas clássicas sem a ajuda de qualquer partitura.