3/29/2010

QUANDO AS IDEIAS TRAVAM

A menos que você seja um Washington no mercado, já deve ter passado por isso.

Os trabalhos precisam sair e o seu servidor intracraniano dá meio que
uma travada, se negando a processar criativamente aquelas informações
do "bife mal passado". Você dá uma disfarçada, tenta um ctrl + alt +
del e reinicia o córtex operacional na marra. Tudo fica meio negro,
confuso com flashs rápidos de céus azuis à la microsoft.

Você respira fundo. E quando já tá quase lá, vem o tráfego com aquela
vozinha insuportável cobrando o material. Você conta de um até dez
mentalmente e diz com a maior calma: "no job diz que as peças devem
estar prontas até hoje, não especifica o horário". Ela diz: "mas você
já está com esse job na mão há décadas...."

Você conta de um até dez mentalmente e diz com a maior calma: "peguei
esse job ontem pela manhã e ainda estou preparando a massa para
fritá-lo e passar para o delivery até o fim do expediente". Ela
desiste. Você volta a se concentrar. E tem uma ideia genial: larga
tudo e vai dar uma espairecida, tomar um café, jogar um pouco de papo
fora, vê se aquela atendimento maravilhosa está precisando de algum
cartão de aniversário caprichado para a sobrinha que vai fazer 15
anos, etc.

Você respira fundo, mais uma vez, e pensa o quanto a vida pode ser
bela, que o diga Roberto Bennini. Até que numa encruzilhada da
agência você dá cara a cara com o mais mal encarado dos seus chefes. E
ele? Ele te cobra o job, atropelando o tráfego sem dó nem piedade em
alta velocidade.

Você imediatamente cria uma saída técnica para o problema, uma ideia
que resolve, que garante o empate e fala abstratamente sobre o que
pensa para o job, dando um bela enrolada verbal no chefe menos
apreciador do seu genial dote criativo.

Ele não se convence com a explicação e convoca nova reunião de
brainstorm para sanar dúvidas e mal entendidos sobre a real
necessidade de comunicação do cliente. Você desacredita a necessidade
de tal extremo, mas ele a exige. Na reunião, algumas farpas parecem
apontar para sua incapacidade de assumir o job.

Comentários graciosos surgem daqui e dacolá. O diretor de arte começa
a querer surfar uma ondinha na sua praia, o atendimento detalha
verbalmente o que nem de longe era mencionado no briefing, o chefe
ironiza sua falta de agilidade para coisa tão banal e a mídia só pensa
em te limitar para ideias muito "descoladas". É justamente nessa hora,
prestes à fatídica síncope cardíaca, que você assume o controle de
suas forças sobrenaturais concedidas pelo Deus de todas a religiões e
grita internamente: eureca, mil vezes eureca!

Você liga todas aquelas informações atabalhoadas e todas aquelas
ironias se transformam em combustível para uma idéia matadora, armada
até os dentes de pertinência, viabilidade financeira, identidade com a
filosofia do cliente e tudo mais de valor agregado por todos os lados
possíveis e imagináveis.

Os rostinhos daqueles que queriam comer seu fígado ao alho e óleo
minutos antes se iluminam e você percebe até um olhar estranhamente
erótico do seu chefe. "Tá me estranhando, Rapá?", você pensa.

Mas o que fica realmente marcado no seu inconsciente naquele momento é
a mágica da sacada, do insight, da ideia matadora, da originalidade
aguda do miocárdio e, claro, da luz que surgiu no fim do túnel. E essa
mágica, amigo, não tem preço.

Publicado originalmente no Webinsider em 16.02.05

(Paulo André Guimarães é redator publicitário)